Berkeley, CA
As condições para se fazer pesquisa no Brasil estão longe de ser as ideais, principalmente por causa da burocracia. Ainda assim, para aqueles que acham que nos Estados Unidos é tudo uma grande maravilha, é bom saber que a coisa por aqui também não está fácil, não.
Com várias de suas universidades listadas entre as melhores do mundo e um “exército” de mais de 1 milhão de pesquisadores para alimentar (segundo estatísticas da National Science Foundation), os EUA não têm recursos suficientes para financiar adequadamente todos os seus cientistas. A disputa por dinheiro na academia é ferrenha, muito mais do que no Brasil. Consequentemente, muitos bons projetos que, em tese, mereceriam ser financiados, não conseguem passar nos editais, e a frustração entre os pesquisadores é tanta que alguns deles estão optando por abandonar a ciência.
A situação é especialmente grave na Biomedicina, visto que o orçamento dos Institutos Nacionais de Saúde (o famoso NIH) encolheu mais de 20% nos últimos dez anos, de aproximadamente US$ 38 bilhões em 2004 para cerca de US$ 30 bilhões, em 2014.
(OBS: O orçamento geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiro, para todas as áreas da ciência, é de aproximadamente US$ 4 bilhões; ou seja, 7,5 vezes menor do que o do NIH, que é apenas para pesquisas biomédicas. Dentro da realidade brasileira, portanto, pode até parecer piada de mau gosto dizer que US$ 30 bilhões não é suficiente para atender à demanda … mas realmente não é, dentro da realidade americana.)
A taxa de aprovação de projetos pelo NIH também caiu pela metade nos últimos anos, de 30% para aproximadamente 15%. Ou seja: de cada 100 projetos de pesquisa submetidos, apenas 15 conseguem financiamento — e outros 15 que seriam financiados alguns anos atrás agora precisam correr atrás de dinheiro em outro lugar, e nem sempre encontram. O National Public Radio (NPR) publicou uma série de reportagens sobre a crise do NIH neste mês, que podem ser lidas (e ouvidas) aqui: http://www.npr.org/tags/129709859/nih
Leia também, entrevista com o presidente do NIH, Francis Collins, no Brasil: “É inevitável; no futuro, todo ser humano terá seu gnoma sequenciado”.
Frustração e desistências
Não é preciso procurar muito nas redes sociais, sites de notícias e blogs para encontrar histórias de jovens pesquisadores (doutores ou pós-docs) americanos, e mesmo de pesquisadores já estabelecidos, que estão desistindo de fazer pesquisa nos EUA porque não conseguem financiamento para seus projetos. A última que passou pela minha grade de leitura recentemente foi esta de Lenny Teytelman, um ex-pós-doc do MIT, seguida de uma carta anônima que ele postou em seu blog, de um pós-doc de Oxford, que também não consegue pagar as contas e está prestes, digamos assim, a “pedir as contas” da pesquisa acadêmica.
Não vou me aprofundar nas histórias pessoais deles porque não é exatamente isso que importa. Também já ouvi várias histórias semelhantes de conhecidos meus nos Estados Unidos. O fato a ser notado é que esses relatos, vistos numa ótica mais ampla, evidenciam uma situação problemática para a ciência nos EUA — o excesso de gente qualificada, que não consegue emprego ou financiamento suficiente para suas pesquisas —, que poderia ser convertida em uma oportunidade para o Brasil.
E se esses pesquisadores “sem-grant”, em vez de desistir da carreira científica, fossem trabalhar no Brasil? E se em vez de só mandar gente de dentro para fora, o Brasil começasse a investir em trazer gente boa de fora para dentro também, como já argumentei no meu post anterior, sobre internacionalização da ciência?
Claro que o Brasil tem um monte de problemas, e também não faltam pesquisadores frustrados com o sistema. A burocracia, mais do que qualquer coisa, é uma bola de ferro que permanece acorrentada aos pés e mãos de todos os cientistas brasileiros — e que os cientistas estrangeiros terão de aprender a carregar também, se quiserem fazer pesquisa no país. Mas uma coisa que não falta tanto é dinheiro (principalmente no Estado de São Paulo, que produz 50% da ciência nacional), apesar dos orçamentos serem bem mais modestos; nem espaço para crescer e desenvolver boas pesquisas.
Algumas agências de fomento, como a Fapesp e o CNPq, já vêm se esforçando há alguns anos para atrair jovens talentos internacionais para o Brasil. Mas ainda é pouco. Muito mais poderia ser feito, tanto nas esferas institucionais acadêmicas quanto na esfera federal. Com um pouco mais de esforço, flexibilidade e planejamento estratégico, condições poderiam ser criadas para atrair (e quem sabe fixar) muitos desses jovens pesquisadores estrangeiros para a academia e a indústria brasileiras. Algo como um Ciência sem Fronteiras ao inverso, talvez? Editais abertos à concorrência internacional e concursos específicos para contratação de docentes estrangeiros nas universidades? Que tal?
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